sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O estímulo à formação da competência cultural, considerando as individualidades


                     
                       Ninguém nasce sabendo ou dominando coisa alguma. No entanto, o homem detém a inteligência, de forma que, em maioria, somos seres aptos ao aprendizado, quando devidamente estimulados. O estímulo é o principal meio de desenvolver o interesse por determinadas competências. No caso da competência cultural, isso ainda é muito mais complexo. Despertar o gosto, a atenção e principalmente a percepção ao conteúdo dos elementos artísticos, não é algo do qual espontaneamente poderá se obter retorno, mas é algo que está acessível aos diferentes públicos e que deve ser sistematizado da forma correta.

                        Quando Pierre Bourdieu, sociólogo francês, reflete sobre a produção do gosto cultural em seus estudos e nos propõe que esse gosto e as práticas de cultura de cada indivíduo são resultados de um “feixe de condições específicas e individuais de socialização” (MARIA DA GRAÇA JACINTHO SETTON, Dossiê Pierre Bourdieu - revista Cult, pág. 48, set/2008), ele provavelmente acreditava no estímulo à um aprendizado dirigido e específico, sem padrões comuns, para a formação cultural das próximas gerações.

                        Dentro dessa ideia, pressupõe-se que é baseando-se nas trajetórias sociais vividas por cada grupo ou segmento, que torna-se possível desenvolver os meios mais adequados de estímulo à apreciação cultural, uma vez que as vivências culturais são diferentes. É um processo educativo advindo do seio familiar e escolar, distinto para cada grupo, que vai produzir seu gosto cultural, e não capacidades inatas.
Assim sendo, a arte está, sim, ao alcance de todos, mas é preciso ter coerência e sabedoria ao expor os espectadores à obra, pois aí será necessário uma certa intimidade adquirir, para que não haja desinteresse por parte do interlocutor.
                         
                        A linguagem artística é, como a escrita ou a fala, uma forma de comunicação humana na qual o artista e o público interagem de igual pra igual, um propondo e outro reagindo. Através da sensibilidade e da capacidade de assimilação de um objeto artístico, que poderá ser desenvolvida por meios educativos, de acesso e de estímulo, é que poderá se desenvolver o interesse no aprimoramento da competência cultural.  Se o sujeito possui apenas um atributo de análise, provavelmente será superficial e ficará no “gosto” ou “não gosto”, na presença de um objeto artístico, ao passo que, tendo mais conhecimento de causa, sua apreciação passará a ter mais conteúdo.
                       
                         Por outro lado, se a apreciação artística é algo subjetivo, logicamente é preciso analisar individualmente o interlocutor, para não correr o risco de massificar a cultura de forma irresponsável, a ponto de superestimular uns e desestimular outros. Exemplificando, obrigar alunos de uma escola do bairro mais pobre de uma capital a ouvir atentamente um concerto de música erudita, sem antes familiarizá-los, de alguma forma, com esse estilo musical, seria um grande equívoco. Obviamente eles só tiveram acesso à música popular, pela vivência familiar e escolar. Então, uma forma de estimulá-los à esse conhecimento seria instituir aulas de música, a formação de uma orquestra, familiarizando-os com os instrumentos musicais utilizados na música erudita, e quem sabe até misturando os elementos populares aos quais eles já estão habituados, seja no repertório ou instrumentos, além de oferecer o contexto histórico como cooperador para esse aprendizado. Certamente, num breve espaço de tempo, não só eles estarão apreciando sensivelmente um concerto clássico, mas até seus familiares.

Orquestra de crianças da ONG Ação Comunitária/SP

                         É sabido que a massificação da cultura por meio de internet, televisão e todo o tipo de publicação popular também é agente provocador da curiosidade, que torna-se uma forte aliada na construção do gosto cultural, mas ela funciona apenas como um “start” no processo construtivo.
Sob essas perspectivas, é importante despertar o interesse pela arte e o desenvolvimento da competência cultural dos indivíduos de cada segmento social em si, mas é crucial verificar os meios corretos para isso, visando a continuidade desse interesse, a construção do gosto e, principalmente, o entendimento do conteúdo que os bens culturais detém.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Carta para a jovem Midian Almeida, de 1992




                                         São Leopoldo, 28 de Novembro de 2012

                                       
                                        Querida e jovem Midian!

                                        Te escrevo para contar um pouco sobre a minha vida, e principalmente sobre como tenho me visto dentro da nova era da comunicação, tão rápida, tão globalizada, tão cheia de tecnologias, que pelo mundo se instalou. Veja só, eu aqui falando em globalização e você nem deve saber do que se trata, visto que é uma jovem romântica e sonhadora dos anos 80/90. 

                                        Minha jovem, isso aqui está uma loucura, você não imagina o quanto! Sabe aquela música da Rita Lee que a Elis Regina, que você gosta tanto, gravou, “Alô Alô, Marciano”? Pois é, “tá cada vez mais down no high society“, mesmo. Até parece que a titia Rita estava profetizando. Hoje em dia, nesse tempo em que eu vivo, todo mundo convive com todo mundo, a democracia, enfim está conquistando sua efetividade, através de um negócio chamado internet. Pobres e ricos, ninguém sabe ao certo quem é o quê, pois todo mundo está, ao mesmo tempo visível e ao mesmo tempo escondido atrás de um teclado de computador, enfiado dentro de sua casa. Tem muito rico que não tem capital simbólico, cultura, entendimento, sabedoria, e muito pobre culto, com muito mais valor, e assim, conquistando suas oportunidades. A internet uniu as pessoas, independente de classe, credo, gênero, cor, opção sexual. Sério, por meio de um computador, é possível se conectar com o mundo todo! Saber o que se passa nos lugares mais remotos, obter informações sobre a vida, a cultura, os acontecimentos de tudo quanto é lugar no mundo. Até visitar o Louvre você pode, sem sair de casa, através da internet.

                                         Câmeras estão espalhadas pelas ruas, gravando tudo em tempo real e transmitindo ao mesmo tempo pela internet, que agora é rápida e não precisa discar, vem por cabo de fibra ótica (um dos grandes inventos do século XXI. É realmente uma loucura. Coisas que você viu em filmes como o Star Wars e pensou: nossa, isso é surreal! -  estão acontecendo, de fato. Eu me adaptei muito bem a tudo isso, jovem Midian. Tive que me adaptar...
                                         Na verdade, eu to achando tudo uma maravilha. E você deve imaginar o porquê né... Sim, eu continuo querendo falar o tempo todo, mesmo quando não tem com quem falar, continuo querendo saber tudo, querendo conhecer pessoas diferentes, contando minhas histórias e dando meus pitacos por aí, só que agora, mesmo sem a presença física, isso é perfeitamente possível. Imagine que, até pelo telefone celular – opa, celular é um capítulo à parte - dá para saber o que se passa no mundo inteiro e interagir com pessoas, sem pagar uma conta imensa em ligações internacionais. Você iria adorar tudo isso! Aliás, vai chegar sua vez, você vai enlouquecer, assim como eu. 
            
                                         Bueno, jovem Midian, me sinto privilegiada em poder viver nesse tempo. Claro, ainda tem muita gente que não tem acesso a tudo isso, mas sinto que, aos poucos, o mundo globalizado vai conseguir, enfim, seu objetivo, de interligar tudo e todos numa rede só.
                                         
                                         Ah, sobre o celular, você deve ter ficado curiosa, né? Pois bem, o telefone, que só nossa vizinha Marli tem aí na rua, e por isso se acha a dona do pedaço e até cobra de quem quer receber um recado de um parente, agora é um bem móvel, que todos podem ter, inclusive mais de um e podem andar com ele pra cima e pra baixo, receber e fazer ligações pra qualquer lugar do mundo, com preços bem acessíveis, se comparados com o que cobrava a dona Marli. É muito legal esse negócio, ele cabe na palma da mão e também tem televisão, rádio, toca músicas, entra na internet, faz tudo, é quase que um computador de bolso. Sabe aquele teu computador IBM Aptiva? Agora, ele transformou-se em um tablet, que cabe dentro da bolsa e você pode armazenar nele teus trabalhos de escola, livros digitalizados, filmes, uma imensidão de possibilidades. É a era da portabilidade. Não precisa de cadernos, se não quiser.

                                         A televisão e o rádio continuam meio parecidos com o que você conhece, exceto que o sinal agora é digital, e também permite interatividade e que temos aparelhos de televisão que cabem no bolso e inclusive dentro de carros.  As possibilidades, Midian, são muitas. 

                                         A comunicação é aberta às suas críticas, você que questiona tanto os modelos de informação, iria curtir. Ah, curtir, essa palavra que nossos pais falavam nos anos 70, é uma das palavras mais usadas hoje, pois quando alguém publica algo na internet, quase sempre tem um ícone na tela do computador, onde você pode clicar, se curtir a matéria. E ainda nos jornais e revistas, que hoje não são só impressos em papel, ainda temos a opção de comentar instantaneamente as matérias publicadas. Os impressos ainda resistem, e creio que possam sobreviver, mas cresce o número de pessoas migrantes todos os dias, para as publicações on line, ou seja, na internet, pois é onde elas passam muito tempo do seu dia, conectadas. A credibilidade deles tem sido questionada, sabe lá que rumo tomarão.

                                        Os jornalistas de hoje têm mais facilidade em buscar suas matérias, pois a comunicação é mais acessível, no entanto, muita gente publica coisas falsas na internet, que é demasiadamente livre e com isso permite que coisas irreais sejam divulgadas, prejudicando o curso normal das coisas. É preciso investigar sempre a veracidade do que se publica, antes de compartilhar. Outra palavra muito usada.

                                       Sinto falta de algumas coisas, de visitar mais as pessoas, ao invés de falar ao celular, de receber e mandar cartas, escritas e perfumadas, pois hoje o correio é eletrônico e a carta se chama e-mail, de tirar fotografias na câmera e levar o filme pra revelar, esperando a surpresa de como as fotos haviam ficado. Agora, as máquinas são digitais, não têm mais filmes e você pode ver as fotos na tela da câmera, logo que fotografa, pode apagar e refazer, se não ficaram legais. Depois você armazena no seu computador, quase ninguém manda imprimí-las em papel fotográfico, como antes. O mundo perdeu um pouco do romantismo, mas ainda é muito legal viver aqui. Sobre as redes sociais, acho que é demais pra sua cabeça, nem vou comentar.

                                       Mas olha, vou te dar um conselho, faça exatamente as coisas da forma que eu fiz, em relação à profissão que a gente escolheu. Assuma sua arte, seja uma cantora, pois você veio ao mundo pra cantar, em primeiro lugar. Deixa para ir à faculdade quando estiver mais madura, mais experiente, porque aí vai sentir a diferença de toda a bagagem cultural que você adquiriu nos seus anos de vida e poderá usá-la em benefício próprio.

                                       Só mais uma coisa, continue querendo descobrir o mundo e questionando tudo, sempre haverá espaço pra gente assim aqui, embora muitos prefiram menos sinceridade e transparência, ser honesto e sincero ainda é um valor até hoje. E para encerrar, um último conselho: não se case tão cedo, como eu fiz. Tem muita coisa boa nesse mundo para descobrir e sozinha você poderá ir muito mais longe do que eu fui. A melhor idade para casar é depois dos trinta. Não se preocupe com a maternidade, que você tanto sonha. Hoje em dia, as mulheres engravidam até depois dos quarenta e a medicina está muito evoluída, tanto na obstetrícia, quanto na estética, para o depois : ) (isso é um ícone e quer dizer q estou sorrindo ao escrever).
                                       Beijo no seu coração, Deus abençoe tua caminhada. Ah, Deus existe, viu! Ele me trouxe até aqui!
                                                                                                            
                                                                                           Midian Almeida, 37 anos, 2012

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Sobre as mídias sociais conectadas, em relação ao jornalismo



Midian Almeida
Acadêmica de Jornalismo/Unisinos

O lenhador ia pelas florestas assoviando feliz, e a cada tronco que encontrava, lá ia ele com seu serrote e seu machado, derrubá-lo. A indústria inventou a serra elétrica, mas o lenhador não quis aprender a usar. Continuou com seu serrote e seu machado. O lenhador continua lá. Mas não há mais lenha na floresta.

Toda a mudança ou toda a evolução tem seu ônus. A produção da informação mudou. Os velhos conceitos caíram por terra, vivemos uma era de instantaneidade, de interatividade e fomos impactados por inúmeros meios digitais de produção e distribuição de informação.


Na Idade da Pedra Lascada, era a pedra lascada, na Idade da Pedra Polida era a pedra polida, na Idade dos Metais, esses foram os instrumentos, e hoje podemos dizer que vivemos a idade da tecnologia, então, é preciso saber usá-la a serviço da humanidade.


O assunto dessa pesquisa, realizada pelo pesquisador em comunicação Walter Teixeira Lima Júnior, é justamente um dar-se conta, de que hoje, o ser jornalista perpassa o ideal romântico da máquina de escrever, mas não o abandona, apenas o evolui e necessita de uma síntese maior de conhecimentos e habilidades, que, se antes não era necessária, daqui por diante é primordial.

O jornalista precisa, além do texto, absorver conhecimentos técnicos em outras áreas: fotografia, vídeo transmissão, edição, e com certeza, as plataformas tecnológicas. Isso se quiser sobreviver no mercado, estar atualizado, vivendo dentro da era tecnológica.

O cenário mudou, a vida mudou, então eu, como profissional, preciso mudar também. Preciso buscar mais conhecimento e desenvolver outras habilidades para que eu tenha condições de realizar meu trabalho, dentro desse novo cenário midiático.

As mídias sociais conectadas permitem que amadores sejam produtores de conteúdo jornalístico e não apenas meros receptores da  informação. As notícias se tornaram um bem social. Houve a quebra da hierarquia da mídia tradicional, que outrora era de cima pra baixo. Agora, a palavra é transversalidade.






Essa é uma mudança histórica, antes, noticiar era função de uma instituição que criava, decidia, publicava, elaborava e distribuía notícia. Hoje, quem decide o que é notícia são todos. Se um determinado público achar que um fato é notícia, e mais pessoas concordarem, então ela será compartilhada, interpretada, comentada e, fatalmente, vira notícia.

Todos os anos, muitos novos mecanismos e ferramentas são criadas ou aprimoradas e é preciso que se conheça o funcionamento dessas, para podermos continuar inseridos no mercado, de forma eficiente. Isso é fundamental para que realmente haja efetividade na democratização do meio digital. O ambiente digital conectado deve estar preparado tecnologicamente para receber as contribuições dos usuários, pra que esse usuário possa participar de forma efetiva no processo de produção do conteúdo informativo de relevância social.

Em resumo, temos que aprender, como profissionais, a lidar com os meios digitais para que a democratização deles seja efetiva.  

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Um Mestre aos Oitenta

                                                                    Audálio Dantas                        Foto: Divulgação
 

AudálioDantas é brasileiro, alagoano, tem 80 anos e desses, 58 dedicados ao jornalismo. Um dos repórteres mais admirados e respeitados do Brasil, foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e o primeiro presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, além de deputado federal, por um mandato. O jornalista trabalhou em diversos jornais e revistas brasileiras e tornou-se conhecido e respeitado no país, depois de ter encabeçado a denúncia do assassinato do colega Vladimir Herzog, em 1975 e comandar uma manifestação com a expressiva presença de mais de 8.000 pessoas em frente à Catedral da Sé em São Paulo, exigindo do governo militar esclarecimentos sobre a morte de Herzog. Esse ato é considerado um marco histórico no processo de redemocratização do Brasil. Audálio Dantas esteve na Unisinos participando da Semana da Comunicação Social 2012, num misto de palestra e bate papo, que reuniu alunos, professores e colegas de profissão.

“Não consigo escrever, se o tema não me tocar”, assim começou o discurso de abertura do bate papo com Audálio Dantas, proferido pelo professor e coordenador do curso de Comunicação Social da Unisinos, Edelberto Behs. Depois dessa frase, muito pouco precisou ser esclarecido sobre a vida do palestrante.  Durante toda a noite de segunda-feira, tivemos uma chuva de conhecimento, de histórias de vida, de trabalho e principalmente de luta, de engajamento político e de total entrega à profissão, pela qual Audálio demonstra em seus atos e em seus fatos. O alagoano falou de forma simples e com total humildade aos alunos presentes, sobre suas principais reportagens. 

Em todas, a entrega foi total. Embrenhou-se nos lugares mais rústicos, mais selvagens, para obter dos fatos, a realidade. Contou sobre a reportagem que lhe rendeu o primeiro prêmio nacional, e que, curiosamente, recebeu um “não“ do entrevistado. Guimarães Rosa negou-lhe a entrevista, na ocasião do lançamento do livro Grande Sertão Veredas, mas o repórter, humildemente, permaneceu em torno da sessão de autógrafos e, através de tudo que ouviu e viu dirigido aos leitores, escreveu a matéria que lhe rendeu o prêmio.
Com relação à reportagem que o tornou conhecido no mundo todo, Audálio Dantas contou que passou muito tempo dentro da favela do Canindé em São Paulo, onde recebeu um diário de anotações de uma jovem moradora, Carolina Maria de Jesus, catadora de papel, e dali concebeu o livro que lhe renderia traduções em 13 idiomas, "Quarto de Despejo (O Diário deUma Favelada)”.  

Acaba de lançar mais dois livros, uma compilação de suas principais reportagens, “Tempo de Reportagem”, e outro sobre Vladimir Herzog,  “As Duas Guerras de Vlado Herzog”.



Audálio Dantas não tem formação acadêmica, mas pode ser considerado um mestre no ofício do jornalismo, assim como tantos outros que ele mesmo cita com suas referências de vida, como Joel Silveira e Euclides da Cunha. Esse “mestre” deu uma verdadeira aula de experiência, de humildade e de amor ao jornalismo a todos os presentes na primeira noite da Semana da Comunicação Social.